15.3.09

8 excelentes razões para não ser benfiquista


1 - Actualmente, por cada campeonato que ganhamos, temos de suportar que as outras equipas vençam meia dúzia seguida. E deixemo-nos de rodeios. O plural em "outras equipas" é só para disfarçar.

2 - Certa vez, conseguimos contratar o melhor jogador do mundo. Nos últimos anos, temo-nos esforçado por contratar o máximo possível de jogadores no extremo oposto da escala de qualidade.

3 - Qualquer equipa que jogue contra o Benfica automaticamente se transforma durante 90 minutos (98 se for o Porto e, por acaso, estiver a perder) num colectivo de deuses do futebol, como se os espíritos de Pelé, Beckenbauer, Platini, Puskas e Di Stefano baixassem sobre o plantel do Trofense. (Sim, eu sei que alguns dos espíritos continuam vivos. Não é preciso escreverem cartas.) Além disso, todos os guarda-redes, mesmo que sofredores de artrite e com estrabismo severo, se transformam no Yashin.

4 - Temos dirigentes tão preocupados com a "verdade desportiva" que não têm tempo para se preocuparem de vez em quando com ninharias como "não contratar o Balboa".

5 - Temos um treinador que continua a dizer que a equipa evolui bem e melhora com cada jogo. Em Março. Pareceria mais convincente se desse um sinal ou outro de perceber alguma coisa do assunto. Por exemplo, não pondo o Balboa a jogar.

6 - Nas nove ocasiões por época em que o Benfica é vitimado por erros de arbitragem que influenciam o resultado, ninguém alheio ao clube se importa. De três em três anos, quando um árbitro nos valida um golo em fora de jogo, perdoa um penalty ou assinala outro que não existiu, é como se houvesse um novo Watergate. E os primeiros dedos acusadores pertencem sempre a pessoas que falam no intervalo dos seus julgamentos por corrupção desportiva.

7 - O nosso jogador preferido é um angolano com os joelhos reduzidos a pudim, que joga uma média de 18 minutos por época e marca três golos decisivos.

8 - Finalmente, apesar de todos os motivos de queixa, continuamos a encher estádios, a comprar jornais e a repetir "desta é que vai ser" em cada Verão. Somos, claramente, pessoas dementes e ninguém deve querer aproximar-se de nós.

9.3.09

Ego


Raczinsky e Utwarg fizeram questão de me mostrar a galeria apenas na véspera da abertura. Dois meses antes, fora distinguido com o primeiro prémio do prestigiado e prestigioso concurso da Sociedade de Apreciação Pictórica por um óleo de parede inteira a que alguém chamou "O Progresso da Nação/A Nação em Progresso", sendo esse o título que foi difundido contra minha vontade (chamara-lhe simplesmente "47 - Uma Sinfonia em Azul e Amarelo), mas com o aval tanto de Raczinsky, como de Utwarg. Os meus dois companheiros de longos anos e autoproclamados zeladores da integridade artística e sucesso comercial da minha carreira na expressão plástica conduziram-me pela mão (dividiram as duas entre si) até ao interior da galeria e apontaram o quadro na parede. Penso que um deles, não recordo qual, terá dito algo como "ecce obra maestra" ou equivalente arremedo de latim. Não pude negar que tinham feito um bom trabalho. As paredes, o tecto e o chão estavam pintados de cores que complementavam (sem contrastar) o conjunto cromático da obra e as mesas que suportariam acepipes e champanhe caro eram de excelente desenho.

O problema era a faixa. Sobre o quadro, de parede lateral a parede lateral, estendia-se um rectângulo de pano branco onde se lia em letras pesadas e azuis: "RACZINSKY E UTWARG TÊM O PRIVILÉGIO DE APRESENTAR - ARTE". Nada mais. Apontei o pano a um deles e o outro adiantou-se:
- É conceptual. Bem vês.
Quando passaram a enumerar-me os convidados ilustres do grande dia, constatei que nenhum deles percebera o meu ligeiro desagrado. Perguntei-lhes pelo meu nome e pareceu-me que se fez luz no olhar de um dos meus grandes amigos. Penso que terá sido no de Utwarg. Mas foi Raczinsky a aproximar-se da caixa de papelão colocada sobre uma mesa, retirando do interior um rectângulo de papel e passando-mo para a mão. Era a brochura que seria entregue aos visitantes no dia seguinte. Na capa, a mesma incrição: "RACZINSKY E UTWARG TÊM O PRIVILÉGIO DE APRESENTAR - ARTE".

Abri. A primeira página estava em branco, possivelmente por motivos de estética tipográfica. Na segunda, havia uma fotografia de corpo inteiro em que Utwarg erguia o chapéu perante Raczinsky ou possivelmente o inverso. Na terceira, biografias resumidas de cada um em colunas paralelas. Na quarta, uma reprodução do quadro exposto. E na quinta, ao fundo, uma linha em itálico proclamava com discrição o meu nome como autor. Vendo que encontrara o que procurava, passaram a recitar-me de memória a ementa de acepipes. Tudo à base de caviar beluga e pequenas sandes de pepino japonês. Fechei a brochura e fiz estalar a língua entre os dentes. Deixei bem claro que nem tudo estava bem. Expliquei-lhes que não me agradava inteiramente que o meu nome tivesse tão pouca exposição quando os seus pareciam estar por toda a parte. Afinal, era eu o autor da obra celebrada.

Raczinsky olhou para Utwarg e Utwarg não evitou olhar para Raczinsky. Abanaram as cabeças ao mesmo tempo. Utwarg baixou os olhos até ao chão, desgostoso. Raczinsky olhou-me e vi que os seus olhos se enchiam de lágrimas.
- Sabes qual é o teu problema? - perguntou, com voz trémula. - Tens um ego desmesurado.

Chegam as andorinhas e começa a nova série de Muchachada Nui. Viva a Primavera!

 
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